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BLOG MAR & DEFESA

Produção em tempos de Guerra*

Anastacio Katsanos**


MAR & DEFESA | 26 DE SETEMBRO DE 2023



DA EDITORIA - INTRODUÇÃO


O conflito Rússia x Ucrânia tem lembrado aos especialistas em defesa pelo menos duas coisas: que estava equivocada a premissa de que os conflitos interestatais estavam superados, e que não se deve confiar sua defesa a outro país. No que tange a esse último aspecto, isso abrange não apenas o emprego de tropas aliadas, mas também a "terceirização" da produção de material de emprego militar.


O presente artigo enfatiza a importância de um país possuir uma indústria de defesa autóctone, muito embora admita que, nos tempos atuais, dificilmente é possível, mesmo para as superpotências, a independência total na produção de componentes para suas forças.


Não obstante assistirmos, no Brasil, movimentos esporádicos de incentivo à indústria nacional de material de defesa - seja por desoneração tributária, seja por projetos de fomento via FINEP ou BNDES -, o fato é que acumulamos, nos últimos 50 anos, vários casos de insucessos e descontinuidades. O caso de sucesso da EMBRAER é atípico, possivelmente devido ao fato que a indústria aeronáutica nasceu vinculada a um centro de pesquisa aeronáutica (CTA) e de formação de pessoal especializado (ITA).


Possivelmente a causa do problema seja a irregularidade das ações governamentais e a dispersão de esforços na tentativa de se promover o desenvolvimento tecnológico e industrial do material de emprego militar. Talvez nos falte, na Política Nacional de Defesa e na Estratégia Nacional de Defesa, uma melhor definição de objetivos, ações estratégicas e metas exclusivamente voltados para isso.


"PRODUÇÃO EM TEMPOS DE GUERRA"


HÁ OITO DÉCADAS o mundo estava mergulhado na 2a Guerra Mundial. Em um esforço e uma mobilização sem precedentes, a indústria norte-americana conseguiu converter toda sua capacidade em prol da produção de aviões, tanques, armas e navios com uma velocidade

fantástica.


Antes da guerra, o Exército dos EUA era apenas o 39. maior do mundo, e tinha até cavalos

puxando a artilharia. Até aquele momento, os investimentos em defesa eram muito baixos e

resultantes dos impactos da Grande Depressão de 1929 e da percepção que a paz conseguida

ao final da 1a Guerra Mundial permaneceria por longo tempo.


Em 1940, os Estados Unidos já fabricavam 13.000 aeronaves e em 1944, foram entregues mais de 96.000. Em 1941, a indústria automobilística produziu 3 milhões de veículos de uso civil. A partir de então e até o fim da guerra só foram produzidos apenas 139 automóveis nos EUA. Isso porque todas as fabricas foram convertidas para fabricação de material militar. Uma fábrica de automóveis da Ford, onde o carro médio produzido tinha 15.000 peças, passou a fabricar o bombardeiro B-24 com mais de 1,5 milhão de peças e a linha de produção liberava uma aeronave a cada 63 minutos. Até agosto de 1945, haviam produzido 6 milhões de toneladas de bombas e 41 bilhões de cartuchos de munição para 20 milhões de fuzis e armas pequenas, 100.000 tanques e veículos blindados, 1.500 navios para a Marinha e 5.600 navios mercantes, correspondendo a mais da metade da produção industrial mundial.


Nos três anos seguintes à Batalha de Midway em 1942, os japoneses construíram seis porta-

aviões. Os EUA construíram 17. A indústria americana forneceu quase dois terços de todo o

equipamento militar aliado produzido durante a guerra: 297.000 aeronaves, 193.000 peças de artilharia, 86.000 tanques e dois milhões de caminhões militares. Em apenas quatro anos, a produção industrial americana, já a maior do mundo, dobrou de tamanho.


Esta base industrial se manteve bastante ativa até o final da Guerra Fria em 1991 com a

dissolução da União Soviética e a esmagadora vitória dos EUA na Operação Tempestade no

Deserto contra o Iraque. A partir desse momento, a ideia dominante dos EUA e na Europa passou a ser que o risco de guerras entre nações havia diminuído e a era das guerras industrializadas, aquelas em que as capacidades de produção em massa das nações combatentes seriam decisivas, havia terminado. Com os ataques terroristas em 11 de setembro de 2001, o foco passou a ser as guerras irregulares corroborando a visão desenvolvida ao final da Guerra Fria. Essa teoria foi destruída por um fato: a guerra da Rússia contra a Ucrânia.


A Guerra na Ucrânia demonstrou que a base industrial de defesa dos EUA, que fabricou o

material e que contribuiu com a vitória em 1945, é inadequada para o mundo atual. E a Europa que seguiu a visão industrial de defesa dos EUA, agora também compreendeu essa importante mudança de cenário. A força de trabalho na indústria de defesa dos EUA é um terço do que era em 1985, durante a era Reagan, quando os gastos com defesa correspondiam a 5,7% do produto interno bruto. Hoje os gastos militares dos EUA são de 3,1% do PIB. Apenas nos últimos 5 anos, a base industrial de defesa dos EUA perdeu mais de 17.000 empresas fornecedoras de peças e componentes devido a competição com fornecedores estrangeiros.


A imprensa dos EUA relata que muitos componentes de munições, aviões e navios (incluindo cascos de bombas e munições de artilharia, espoletas, peças de motores de foguetes além de propelentes e explosivos) são fabricados no exterior, inclusive na China.

A China detém até 50% da construção naval global; os Estados Unidos têm menos de 1 por cento. Não existe uma capacidade de aumento rápido para a produção de defesa no Ocidente. Mesmo com o incremento dos orçamentos de defesa a indústria não tem como reagir rápido. Isso se deve também às características dos modernos sistemas de armas e à crescente carência de recursos humanos especializados, que deixam a indústria para se juntar a inúmeras outras atividades econômicas.


Os modernos sistemas de armas contam cada vez mais com projetos complexos e componentes eletrônicos e software estão presentes em praticamente todos os sistemas. São projetados usando avançados recursos computacionais e vários componentes e partes são fabricados utilizando máquinas integradas em redes. Apesar do advento de tecnologias como inteligência artificial, manufatura aditiva, gêmeos digitais e outros, as normas e padrões a serem atendidos são muito mais complexos que os de décadas atrás. O resultado são ciclos de desenvolvimento e produção de sistemas de armas longos e as cadeias de suprimento são globais, dificultando a mobilização industrial de apenas um país isoladamente.


A Guerra na Ucrânia mostrou a necessidade de um realinhamento da indústria de defesa pós-Guerra Fria, buscando aproveitar as tendências e inovações tecnológicas com a mudança de foco para novas ameaças.


* Publicado originalmente na Revista Força Aérea, nr. 143 - ago/23.

** Anastacio Katsanos é engenheiro aeronáutico formado no ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica - em 1982, e especializado em engenharia de ensaios em voo na NTPS – National Test Pilot School -, EUA. Atualmente é Diretor Titular Adjunto do Departamento da Indústria de Defesa - COMDEFESA - e colunista da Revista Força Aérea.

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