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BLOG MAR & DEFESA

Militares no Brasil

Francisco Novellino*

Amauri Meireles**



MAR & DEFESA | 10 DE OUTUBRO DE 2023



Continua sendo muito considerada a premissa, inspirada no Positivismo, de que o Estado tem, dentre seus principais mandamentos, a função de prover a proteção e a de promover o progresso. O exercício do provimento da proteção e o da promoção do progresso realizam-se

através de instrumentos específicos, que são as Instituições pertinentes, e, também, através de mecanismos próprios, respectivamente as Defesas e as ações de Desenvolvimento, em suas manifestações, nacional e social. Aqui, vamos ater-nos à Defesa.


Num breve parênteses, diríamos que, embora tenhamos substanciosos documentos que tratam da matéria – Política Nacional de Defesa (PND), Estratégia Nacional de Defesa (END), Doutrina Militar de Defesa (DMD) –, cabe ressaltar que estes se ativeram, apenas, à Defesa Nacional, com ênfase na expressão militar. Certamente, essa lacuna pode ter contribuído para que o Poder Político Nacional tenha pouco entusiasmo em promover o debate sobre esse importantíssimo tema.


Segundo a Doutrina Militar de Defesa (Ministério da Defesa/Exército Brasileiro), Defesa "é o ato ou o conjunto de atos realizados para obter, resguardar ou recompor a condição reconhecida como de segurança”. Já de acordo com a Policiologia - ciência que estabelece e disciplina os métodos técnicos apropriados para investigações e pesquisas policiais -, Defesa“é o conjunto de ações metódicas, através da adoção de medidas e instalação de dispositivos de restrição e controle de vulnerabilidades, bem como de minimização e mitigação de ameaças, visando a redução da insegurança”. Ainda de acordo com a Poliociologia, é definida como o “conjunto de mecanismos destinados a proteger efetivamente instituições sob risco, além de bens ou interesses nacionais e sociais ameaçados ou passíveis de sê-lo".


Segundo a Política Nacional de Defesa (PND), Defesa Nacional é o “conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas". Em contraponto, parafraseando o disposto da PND, poderíamos inferir que Defesa Social é o “conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão política, para a defesa do povo e do território contra vulnerabilidades no corpo social e contra ameaças ao organismo social preponderantemente internas, potenciais ou manifestas". Segundo a Policiologia, Defesa Social “visa a proteger o corpo social contra vulnerabilidades e o organismo social contra ameaças que coloquem em risco a preservação e a perpetuação da espécie humana, congregando mecanismos preventivos, repressivos e sustinentes, na busca do ambiente de segurança social”. A primeira hipótese, portanto – bens e interesses nacionais –, fica restrita à Defesa Nacional, enquanto a segunda hipótese – bens e interesses sociais – se circunscreve à Defesa Social”.


Para realizar essas atividades (Defesa Nacional e Defesa Social), o Estado detém diversificada Autoridade. A Autoridade Estatal – que guarda estreita ligação com a Ordem – é a capacidade de legislar, administrar e fiscalizar a estrutura, a organização e o funcionamento do Estado, bem como a obediência às regras e o respeito aos valores, nacionais e sociais, visando à convivência harmoniosa e pacífica, internacional e nacionalmente, além de prescrições particulares definidas pelas expressões do Poder Nacional. Essa capacidade é bipartida em Poder Estatal e Força Estatal.


Poder Estatal é a capacidade de deliberar sobre procedimentos e comportamentos adequados à consolidação dos princípios constitucionais fundamentais; Força Estatal é a capacidade de garantir as deliberações estatais. As Instituições que detêm o Poder, ou seja, as que realizam seus propósitos através do poder estatal, não detêm a Força; já as que detêm a Força também detêm o Poder, pelo menos como característica do primeiro estágio de suas ações.


As Instituições-Força são, no âmbito da União, as Forças Armadas (FFAA), compreendendo a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, e, no âmbito das unidades da Federação, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, denominadas neste artigo Forças Públicas Estaduais (FPE). Pelos dispositivos expressos na Constituição Federal e nas constituições estaduais, infere-se que as FFAA e as FPE são, respectivamente, Instituições militares federais e militares estaduais, garantidoras da Ordem no âmbito da União ou no âmbito de seus respectivos Estados-membros e do Distrito Federal.


A Ordem - apresentada, aqui, como desdobramento do exercício da soberania ou como reflexo dela - é um conjunto de prescrições gerais que estabelecem a estruturação, a organização e o funcionamento do Estado (território, população e soberania), assim como o

elenco de valores a serem respeitados e as regras que devem ser obedecidas, além de prescrições particulares definidas pelas expressões do Poder Nacional. O trabalho de garantia, realizado pelas Forças, atende às variações da Ordem, que, numa escala crescente de conflito, confronto, violência generalizada e ameaça à soberania vão de Normalidade, Alteração, Perturbação, Grave Perturbação e Luta Interna, até Crises Internacionais Político Estratégicas (CIPE).


Nos três primeiros casos acima - Normalidade, Alteração e Perturbação -, o protagonismo é das FPE, porque as ações são de Defesa Social, ou seja, as vulnerabilidades e as ameaças podem afetar população e território limitados. A Grave Perturbação da Ordem caracteriza uma "faixa cinzenta" onde, de início, atuam as FPE. Esgotada, porém, a capacidade dessas e, tendo em vista o interesse nacional, o protagonismo passa a ser das FFAA (em particular do Exército Brasileiro - EB), o que é regra nas duas últimas variações citadas - Luta Interna e Crises Internacionais Político Estratégicas. A razão para essa mudança está no surgimento de eventos que, além de agravarem o quadro da Defesa Social, podem afetar a estabilidade dos Poderes da República e da Ordem Constitucional e, em casos extremos, a Soberania Nacional e a integridade territorial.


As Operações de Polícia Ostensiva, realizadas pelas FPE conforme a variação da Ordem e, portanto, nem sempre de forma gradual e sucessiva, são as de Policiamento Ostensivo, de Policiamento Velado, Cívico-Comunitárias, de Choque, de Restauração e as Específicas na Defesa Territorial. Essa transição é absolutamente necessária, mas, lamenta-se, muito mal definida na CF/88, Art.144, § 6º:


“As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.


Entende-se que o termo "forças auxiliares" não reflete adequadamente a relação institucional entre as FPE e as FFAA (no caso, o Exército). O que ocorre, a verdade, é uma reciprocidade de auxílio: as FFAA, quando realizam atribuições subsidiárias, auxiliam as FPE em eventos relevantes, em que estas são as protagonistas (desastres, eleições, visitas de dignitários, competições internacionais, etc.); já as FPE auxiliam as FFAA em acontecimentos onde estas assumem o protagonismo, utilizando-se de ações coercitivas nos casos previstos em lei, ou seja, os enquadrados a partir de Grave Perturbação da Ordem. A excepcionalidade se daria apenas em caso de mobilização nacional, quando as FPE ficariam subordinadas ao EB, exercendo suas funções de polícia em apoio às operações de combate deste. Outro equívoco é considerar as FPE como reservas do EB. Ora, reserva é aquele que está qualificado a substituir o titular, o que não é o caso, pois o EB realiza operações bélicas, enquanto as FPE sempre realizam operações de Polícia Ostensiva. Por conseguinte, o policial não está qualificado para ser reserva do combatente.


Tratando metaforicamente o tema deste artigo, observa-se que as forças federais (FFAA) e as estaduais (FPE) são dois vizinhos cordiais, mas que cuidam, de forma isolada, dos interesses do prédio onde residem. Às vezes, encontram-se em reuniões do condomínio. Ou seja, há uma tênue interligação e pouquíssima interação, o que, na prática, minimamente, traz prejuízos doutrinários, técnicos, jurídicos, administrativos para ambas as Forças.


Não obstante as considerações acima, cabe lembrar que, muito embora suas atuações normalmente ocorram em áreas geográficas e níveis distintos, tanto o integrante das FFAA, quanto o das FPE possuem formação e valores semelhantes, cujo alicerce é o caráter militar, conceituado neste trabalho como "o conjunto de preceitos, nos planos ético, educacional, jurídico e técnico, que distinguem classe civil e classe militar". Além disso, tanto as instituições militares federais, quanto as estaduais, pautam-se nos mesmos princípios de Hierarquia e Disciplina, e em semelhantes formas de administração e organização.


Dessa forma, não obstante as diferenças supracitadas, entende-se que seria oportuna a criação de uma entidade voltada ao estudo, pesquisa e desenvolvimento da atividade militar no Brasil, composta por militares das FFAA e das FPE, além de especialistas civis das áreas diversas que, tendo em vista o caráter multidisciplinar da profissão e das instituições militares, venham a contribuir para dar “musculatura” à entidade. Para conferir maior materialidade à ideia, sugerimos a denominação de Instituto Militar Brasileiro (IMB).


Para ter autonomia e não ser eventualmente “engessado” por injunções políticas, legais ou institucionais, o IMB deveria ser uma associação civil (ou fundação) sem fins lucrativos, com personalidade jurídica, com vínculo, apenas e tão somente para fins doutrinários, com o Ministério da Defesa, com as FFAA, FPEs ou qualquer outro órgão ou instância estatal. Caberia ao IMB promover, por sua iniciativa ou sob demanda, pesquisas, estudos, debates e intercâmbios voltados especificamente para o aprimoramento doutrinário, legal e técnico das corporações militares e da carreira militar. Ainda, a entidade poderia prestar apoio técnico-profissional às Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara e do Senado, às Comissões de Segurança Pública de ambas as casas, às assembleias legislativas dos estados, ao Ministério da Defesa, às próprias FFAA e FPE, e às universidades.


Adicionalmente, percebe-se no Brasil alguns movimentos gerados no âmbito dos espectros político, acadêmico ou midiático que, de forma permanente e insidiosa, procuram desmoralizar as instituições militares e seus integrantes. Caberia ao IMB identificar esses movimentos e desarticulá-los, com sólidas argumentações, por meio de artigos, declarações, seminários ou entrevistas. Por outro lado, nos casos onde as críticas sejam consideradas cabíveis, o IMB atuaria como mediador entre a fonte e a instituição citada, buscando o consenso e a implementação das correções necessárias.


* Capitão de Mar e Guerra (Ref.), Mestre em Ciências Militares pela Escola de Guerra Naval e em Política e Estratégias Militares pela Escola Superior de Guerra. Editor e administrador do Blog MAR & DEFESA.


** Coronel (Veterano) da Polícia Militar de Minas Gerais, escritor, professor, pesquisador e cientista policial.


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Contribuindo para o desenvolvimento de uma mentalidade política de defesa no Brasil


Editor responsável: Francisco Eduardo Neves Novellino


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