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BLOG MAR & DEFESA

Forças Armadas: Uma visão política - Parte II: Do fim do Estado Novo à Constituição de 1988*


MAR & DEFESA, 04 de agosto de 2023


* Artigo elaborado a partir do depoimento prestado pelo General de Divisão (Ref.) Octávio Pereira da Costa (1921-2021) à Biblioteca do Exército Editora (BIBLIEX), a fim de compor o Tomo 3 da Coletânea "1964 – 31 de Março: O Movimento Revolucionário e a sua História" , publicada pela BIBLIEX em 2003. A primeira parte desse depoimento foi publicada neste blog em 13/07/23, com o título Forças Armadas: Uma visão política - Parte I: Do Brasil Colônia ao fim do Estado Novo, cujo link segue abaixo: https://manage.wix.com/dashboard/dbf05ed3-efdc-4a80-8044-ea875c8ed497/blog/1d3cea1b-e0b0-4c2b-ab49-1e6389ab6083/edit?tab=published


O leitor poderá identificar, em algumas considerações do General Octávio da Costa - especialmente no que tange à prática do "populismo" -, situação em muito semelhante com o que tem ocorrido na política brasileira após 2003, ano da publicação da Coletânea.


A VIDA POLÍTICA BRASILEIRA estará dividida, a partir de então [N.E.: A partir da deposição de Vargas e do fim do Estado Novo], em dois grandes grupamentos: varguistas e antivarguistas. Primeiro, há uma solução de compromisso, uma coalizão para a eleição de Dutra, que vence Eduardo Gomes. Sobe ao Poder o General Dutra – que era um Ministro de Vargas, mas já não concordava com ele. Faz um governo, do ponto de vista constitucional, modelar. Expurga o Partido Comunista da legalidade. Começa, então, a disputa tremenda entre varguistas e antivarguistas. A Constituição de 1946 foi feita sob o signo da coalizão; no entanto, a partir de então, a vida política brasileira prossegue sob o signo do confronto, o confronto entre varguistas e antivarguistas. O confronto continua até depois de morto Vargas. Quando, recentemente, o Presidente Fernando Henrique disse que era o fim da Era Vargas, realmente tinha alguma razão. Só muito recentemente findou a Era Vargas, porque, até então, remanesciam varguistas e antivarguistas. O que se passa então? Primeiro, é preciso ver esta verdade: a grande e nefasta colheita de todo o regime autoritário é a safra de maus políticos que permanecem mesmo após o seu término. Por quê? Porque os cortes das instituições e o desestímulo à formação de lideranças, fazem com que a safra de depois do regime autoritário seja da pior qualidade. Entenda-se, então, que o populismo brasileiro é filho do ocaso da ditadura de Vargas. Surge o populismo brasileiro com Goulart, com Brizola, com Hugo Borghi, com Jânio Quadros. Esse é o nosso populismo, nefasta safra que se segue ao regime autoritário. Maus políticos, sem compromisso com os verdadeiros interesses do povo e do País. As pessoas estão, hoje, distantes desse tempo, mas lembraria que nas primeiras eleições, depois de Vargas, ele se elegeu por todo o País. A legislação permitia que um candidato representasse mais de um Estado. Elegeu-se deputado e senador por vários estados da federação, pelo Rio Grande do Sul, por São Paulo, pelo Rio, por Pernambuco, e, conseqüentemente, trouxe, atrás de si, por “enxurrada”, os beneficiários de suas “sobras” eleitorais. Elegia-se com centenas de milhares de votos, que era a dimensão daquela época. Isso também decorria da tremenda propaganda do seu regime ditatorial, com o famoso DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Lembro-me desse tempo, quando alguns verdadeiros cafajestes se elegiam com um cartaz, contendo um retrato ao lado de Vargas, dizendo: “Vote em fulano, disse Vargas.” Isso é regime? Eram os varguistas voltando ao Poder, e foi o que se passou, logo depois, em 1950. Vargas volta ao Poder ressentido, envelhecido, e chega ao paroxismo o confronto entre varguistas e antivarguistas.


O Governo de Vargas já é mais próximo de nós, todos nos lembramos dele, do governo constitucional de Vargas: os desmandos; a situação econômica; o populismo desenfreado, sua guinada para a esquerda. Getúlio, que estivera à direita, amigo íntimo de Mussolini, agora estava à esquerda, profundamente antiamericanista, um nacionalismo jacobino, demagógico. Trazia algumas figuras novas, como esse verdadeiro filho “postiço”, que era João Goulart. Vargas volta ressentido, vingativo, com grandes queixumes das Forças Armadas, particularmente, do Exército. Mas o seu Governo termina com aquele tiro terrível, aquele suicídio brutal, quando já era inteiramente impopular. Recordo-me da corrida do Grande Prêmio Brasil de 1954, nos primeiros dias de agosto. Encontrava-me presente ao Hipódromo da Gávea, quando entrou Getúlio Vargas. Como sempre, vinha, demagogicamente, de carro aberto, pela pista, por onde cavalgavam os grandes parelheiros. A novidade é que Vargas passa debaixo da mais ensurdecedora vaia, que me lembro de ter ouvido, mesmo num campo desportivo. Não me esqueço dessa vaia terrível. Logo depois, precipitaram-se os acontecimentos, com aquele episódio do crime da rua Tonelero, envolvendo um personagem das Forças Armadas, Major Rubens Vaz, da Aeronáutica. Veio, então, a instauração do inquérito, na Base Aérea do Galeão, a chamada “República do Galeão”. Nessa ocasião, professor da Escola de Estado-Maior, tinha as minhas perplexidades, via aquele movimento todo, estava solidário com os meus companheiros, mas perguntava, a mim mesmo, em que poderia dar tudo aquilo? Não poderia resultar em boa coisa. Aquelas ruidosas assembléias dos clubes militares, a famosa “República do Galeão”, afinal, tudo resultou num tiro derradeiro, no suicídio de Vargas, e na reversão brutal da história recente. Houve a reversão de todas as expectativas, a carta-testamento, a marcha sofrida e chorosa, pelas ruas da Cidade, pelo Flamengo, levando o corpo para a despedida final no aeroporto Santos Dumont, no rumo aos seus pagos, em São Borja.


Ressuscitam, então, todos os varguistas antes intimidados. Os antivarguistas procuram acobertar-se e silenciar, pois a avalanche varguista é tremenda. A bala do suicídio e a carta-testamento reverteram tudo. Alteraram, em poucos instantes, o curso da história, que parecia favorecer os correligionários da UDN, que eram os adversários de Vargas. Os antivarguistas perdiam a cartada final. Seguem-se os episódios da interinidade de Café Filho, de Carlos Luz, de Nereu Ramos. Foram feitas todas as tentativas para evitar que o Poder, que chegara, pelo suicídio, às mãos de um antivarguista, que era Café filho – cercado, basicamente, de antivarguistas, entre eles o futuro Presidente Ernesto Geisel, os irmãos Geisel, e de tantas outras figuras extraordinárias da vida militar, todos antivarguistas – voltasse às mãos de um varguista. Houve um esforço imenso, mas infrutífero. Veio Juscelino Kubitschek, eleito, basicamente, por todos os varguistas. Era em nome da carta-testamento que ele surgia, tendo a seu lado o herdeiro político de Vargas, João Goulart, como Vice-Presidente da República. Sobe, amparado pela mão firme de um grande chefe militar, quaisquer que sejam as restrições que possam ser feitas a ele. Henrique Lott, fiel às suas convicções e às suas posições – pessoalmente, eu não tinha por ele a menor simpatia, mas devo reconhecer que foi uma figura admirável, na defesa dos seus pontos de vista. Posicionou-se pelo que chamava de legalidade, deu posse a Juscelino.


Mais tarde viriam algumas reações militares; em 1956 – Juscelino foi eleito em fins de 1955 – houve a revolta de Jacareacanga, desencadeada por oficiais da Aeronáutica, tentando impedir a posse de Juscelino, mas Lott assegurou-a, e se tornou o condestável da república varguista sob Juscelino Kubitschek. E Juscelino, com a sua simpatia, com a sua moderação, com o seu gênio político, a sua maneira bem brasileira, bem mineira de ser, tentou, de todas as formas, enterrar Vargas, sepultar de vez Vargas. Embora eleito por Vargas, tentou sepultá-lo. Penso que conseguiu fazê-lo com um gesto de prestidigitação, o deslocamento da Capital do País, do Rio de Janeiro para Brasília. Era um fato novo, um grande momento de comunicação, um momento cultural extraordinário, a “capital no Planalto Central”, a “marcha para o oeste”. Penso que a real motivação de tudo isso era o “vamos esquecer Vargas”. Uma nova liderança surgia, a de Juscelino Kubitschek, que, até hoje, fascina tantos políticos brasileiros, que fez um governo de moderação, equilibrado, voltado para o desenvolvimento e voltado para as classes empresariais, favorecendo-as de tal maneira, que se pode dizer ter nascido aí o grande empresariado brasileiro. Nesse aspecto, é oportuno fazer uma pequena reflexão. O Poder é um quadrúpede, o Poder tem quatro patas: a “pata” política, a “pata” econômica, a “pata” social e a “pata” militar. Normalmente, a sabedoria do governante está em ter uma “pata” firme, de sua predileção, na qual possa sustentar-se, e procurar equilibrar-se nas outras. Juscelino não tinha “pata militar”, pelo contrário, ele sabia que tinha grandes dificuldades de conviver com a área militar, apesar de ter também os seus simpatizantes, mas não era a sustentação de sua predileção. O que ele fez então? Tinha sustentação política, porém não era uma figura popular como Vargas. Não podendo sensibilizar a área social, procurou criar uma sustentação econômica. E foi então, com os seus dois pólos de sustentação, o econômico e o político, que Juscelino conseguiu levar o seu Governo até o fim, e inserir-se na História do Brasil como um grande momento da vida brasileira. Se a admiração por Juscelino cresce incessantemente, há quem o veja de forma diferente. Jacob Gorender, o marxista-leninista brasileiro mais lúcido que existe, tem um admirável livro, O Combate nas Trevas, sobre a luta armada, absolutamente imperdível, de sinceridade e isenção totais. Considera o Governo de Juscelino o pior de toda a história do País, por ter sido o mais entreguista que teria havido. Gorender tem suas razões, demonstradas no seu grande livro. No entanto, até hoje, permanece a legenda do Juscelino Kubitschek. Os atuais governantes procuram copiá-lo, gostariam de ser um novo Juscelino. Não chegam a ser, mas gostariam. Seu imenso esforço nos campos da energia elétrica, das estradas, da mudança da capital, da implantação da indústria automobilística, exauriu economicamente o País. Diante de uma inflação brutal, sua sucessão passou a ser dificílima, e foi equacionada em termos de um chefe militar. Por que um chefe militar? Por que Henrique Lott? Porque era a maneira de assegurar que o eleito tomaria posse. Um chefe militar respeitado, temido, tomaria posse. Note-se que até para a sucessão de Juscelino houve reações militares. Quais? Quando Jânio Quadros, na suas marchas e contramarchas, nas suas idas e vindas, um dia anunciou que não era mais candidato, os militares antivarguistas, que tinham adotado a sua candidatura, porque queriam um antivarguista outra vez no Poder, partiram para a loucura de Aragarças, chefiados pelo meu colega de turma, o Burnier, recentemente falecido. Foi Burnier quem levantou o foco subversivo de Aragarças, mas não obstante isso, logo depois, Jânio Quadros voltou a ser candidato, se elegeu, e os antivarguistas pensaram que estava tudo resolvido – que era a sua hora – que o Poder estava com os antivarguistas, que o populismo varguista estava inviabilizado. Acontece que, em plena pregação de Lacerda – um dos maiores panfletários do País – contra os descaminhos e as tonteiras de Jânio Quadros, o Presidente surpreende a Nação com a sua renúncia, em agosto de 1961. Considero a renúncia de Jânio Quadros – encontrava-me no Gabinete do Ministro da Guerra, General Denys, aqui, nesta casa (o entrevistado refere-se ao atual Palácio Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, onde, à época, funcionava o Ministério da Guerra, já em processo de transferência para Brasília) – o momento mais difícil da vida brasileira, que vivi. Estávamos, realmente, à beira da guerra civil, o Sul contra o resto do País – pior do que São Paulo, muito pior do que em 1932. Era uma situação dificílima, terrível. Por quê? Porque, devido a uma legislação que permitia a eleição de um candidato a Presidente, por um partido, e um candidato a Vice-Presidente por outro, tinha ocorrido essa verdadeira loucura, um Presidente antivarguista e um Vice-Presidente varguista. Era esse o nosso quadro: um Vice-Presidente varguista, João Goulart, muito mais à esquerda do que Vargas, muito mais seduzido pelas pregações sindicalistas e ruralistas do que o próprio Vargas.


Quando da renúncia, esse Vice-Presidente estava visitando a China, que, até então, era um verdadeiro tabu, a China comunista, de Mao Tsé-Tung. Então, o General Denys e os outros ministros, tomaram aquela decisão, extremamente discutível e discutida. Castello Branco, que estava na Diretoria de Ensino, não concordava e se arrepiava com a decisão de vetar a posse de Goulart. Maior interferência na vida política é difícil de ocorrer. Um pretorianismo incrível. Outra vez o poder moderador exercido pelos militares, agora pelos militares antivarguistas contra os varguistas. E Brizola, um demagogo, jovem, com uma dialética demagógica, “partiu para cima”. Levanta o Sul do País, tentando resistir. Monta a “cadeia da legalidade". Vivi aqui dias e noites de prontidão, neste Quartel-General. Dias tensos, inesquecíveis, absolutamente inesquecíveis. Era meu confidente, nos corredores, o pai do atual Ministro Dornelles, o então Coronel Mozart Dornelles, figura extraordinária, parente de Vargas, um homem equilibrado, isento. Um homem admirável. Afinal, os ministros militares dão o veto e o País fica numa situação dificílima, a guerra civil iminente. Inventa-se aquele “parlamentarismo de ocasião”, que permite a passagem das nuvens negras. Aceita-se a solução que, evidentemente, não poderia dar certo, era incoerente, não levava a nada. Goulart volta, toma posse, e começa o Governo mais louco que se pode imaginar. Na área militar, as suas escolhas eram absolutamente estapafúrdias, ele não entendia nada de Forças Armadas, não sabia onde estava a verdadeira inteligência militar, onde estava a verdadeira cultura militar. Escolhia as pessoas das “baias” – sem qualquer referência aos meus queridos colegas de Cavalaria – as pessoas do curral das estâncias. Eram os piores. Havia um General que tinha o apelido de “faztudo”. Ora, um oficial que chega a General, com o apelido de faz-tudo, é uma coisa muito séria, realmente. Havia os “osvinos” [N.E.: referência ao General Osvino Ferreira Alves, partidário do Presidente João Goulart, e que comandou os I e III Exércitos durante o seu mandato]. Havia generais inimagináveis. O propósito de Goulart, desde o princípio, era acabar com o parlamentarismo. Realiza-o de forma brilhante, com a campanha publicitária mais rica que se desencadeou neste País. Foi aí que apareceu o seu contra-parente Macedo, grande empresário da área de comunicação, da MPM. Enriqueceu na campanha contra o parlamentarismo. Serviu, mais tarde, a todos os governos revolucionários. Era um profissional competente, conseguiu os seus objetivos.


Terminado o parlamentarismo, vinha o presidencialismo, e aquele revanchismo de varguistas contra antivarguistas continuava cada vez mais aceso. Goulart, na sua total incompetência em matéria de assuntos militares, exila para as escolas as melhores figuras do estamento militar. A Escola Superior de Guerra nunca esteve tão feliz. Floresciam nela e na Escola de Estado-Maior as melhores inteligências da área militar. Enquanto isso, ele ficava com o que havia de pior na vida militar. Esse Secretário que está aí hoje – Chuay (Eduardo Chuay) era seu Ajudante-de-Ordens. É o homem do trânsito. Basta olhar para ele. Não se precisa dizer mais nada. O Assis Brasil foi instrutor comigo na Escola de EstadoMaior, era brilhante, mas bebia demasiadamente, vivia no “mundo da lua”, era um homem interessantíssimo, mas superestimava as suas possibilidades. Era o Chefe do Gabinete Militar de Goulart. Estamos tratando do período antes da Revolução. Todos esses fatos são os pródromos da Revolução de 31 de Março de 1964 e vão motivar os comentários que se seguem. Meu intuito era chegar até aqui para dizer, claramente, que tudo vem de, muito longe, vem do "poder moderador" [aspas da Edição] exercido pelos militares, auto-exercido pelos militares. Depois do tenentismo idealista, depois da ditadura de Vargas, depois das crises que se seguiram, dos erros da legislação eleitoral, da crise de 1961, da posse, a moldura é sempre a mesma – varguismo e antivarguismo. E não interromperia essa longa exposição, sem citar um trecho da conferência que o então, recém-promovido General-de-Brigada, Humberto de Alencar Castello Branco – pelo qual tenho a maior admiração, embora nunca tenha feito parte do seu cortejo – Comandante da Escola de Estado-Maior, futuro Presidente da República, proferiu na Escola Superior de Guerra. São palavras inesquecíveis. Corria o ano de 1955 e estávamos longe da Revolução de 1964:

“Há aqueles que recomendam, como melhor caminho para participação dos militares na recuperação do País, intervir e assumir o controle do governo. Os mais sinceros dizem que isso é necessário, devido à incapacidade das instituições políticas, para resolver os problemas da Nação. As Forças Armadas não podem, se são fiéis a sua tradição, fazer do Brasil uma outra republiqueta sul-americana. Se nós adotarmos esse regime, entraremos nele pela força, haveremos de mantê-lo pela força e sairemos dele pela força.” Nove anos depois ele seria o primeiro Presidente de um ciclo militar. São palavras que devem ser pensadas, palavras absolutamente proféticas. Não saímos pela força, por várias razões: porque os militares, globalmente, têm o sentido do equilíbrio, apesar de tudo, apesar dos excessos; e, por outro lado, porque apareceu também um outro agente da transmissão. O mais difícil é sair do regime autoritário para o estado de direito. Em 1945/1946, saímos graças ao gênio político de Otávio Mangabeira. Criou-se o Governo de coalizão que conseguiu escrever a Constituição, bastante razoável, de 1946, bastante equilibrada, e elegeu Dutra, apesar de ter colocado, em segundo plano, a figura inesquecível de Eduardo Gomes. Foi uma maneira de sair, saímos pelos caminhos da coalizão. Mais tarde, quem seria o agente da mudança? Quais seriam os agentes da passagem? Vários pensadores, civis e militares, se debruçaram sobre isso: como sair do regime de 1964 para o novo estado de direito, para não confirmar a profecia de Castello Branco, de que teríamos de sair pela força, como se sai de qualquer regime autoritário. Tivemos vários artífices. Primeiro, Cordeiro de Farias, um homem treinado em vários episódios, inclusive durante Vargas. Tinha sido varguista e, depois, antivarguista. Foi General durante 23 anos – general aos 39 anos – e quem acabou com isso – os políticos esquecem – foi um homem chamado Humberto de Alencar Castello Branco, que limitou a permanência no último posto, que limitou a permanência nos vários postos de general, criando a exigência de que o indivíduo eleito para qualquer cargo político, encerre sua carreira militar. Com isso, acabaram as carreiras paralelas do tipo Juracy Magalhães, Juarez Távora e tantos outros, inclusive o próprio Cordeiro de Farias. Foi o primeiro Presidente da Revolução quem prestou esse serviço à Nação e ao Exército, de extinguir as carreiras paralelas de militares altamente politizados. Quem fez as tentativas? Cordeiro de Faria fez várias e ajudou muito. Outro, que era o artífice da saída pelos caminhos da coalizão, era Petrônio Portela. Esperava ser o artífice e o beneficiário. Desgraçadamente, Petrônio Portela sucumbe, se exaure na sua militância política, morre antes da hora. Surgiu então – chegou o momento – a figura de um político matreiro, um político muito hábil, com trânsito em todas as áreas, inclusive nas áreas militares, que queria, sonhava, com a passagem pelos caminhos da coalizão. Ele imaginava uma saída sem ser pela força, mas sim pela coalizão. Quem foi esse homem? Tancredo Neves.


Havia duas correntes expressivas: a ARENA, que partiu do Movimento de 1964, e o MDB – hoje, PMDB. Irreconciliáveis. Era um bipartidarismo absolutamente “louco”, porque quando você faz bipartidarismo, está afirmando: quem está comigo, está comigo, e quem não está comigo, é meu inimigo, não tem para onde ir, não tem alternativa. Então, Tancredo criou o PP, o Partido Popular, e ficou se equilibrando, numa posição intermediária, tentando conviver com isso, para ver se ajudava a passagem. Diz-se até, e tenho fortes indícios de que seja verdade – fui amigo pessoal de Tancredo e de seu filho – que ele imaginava que Frota pudesse ser o novo Dutra. Estava inteiramente equivocado, não para minimizar as qualidades do Ministro Sylvio Frota, mas porque eram temperamentos completamente diferentes, Frota não era Dutra. Frota chegou a enganar-se, a incensar-se, achar que podia ter alguma possibilidade, e isso realmente ajudou a irritação que havia entre o Planalto e o Setor Militar Urbano. É outra história que eu conheço bem. Afinal, acabam com o PP, a legislação volta a ser bipartidarista, e Tancredo refugia-se no MDB, numa posição intermediária, que ele intitulou MDB moderado. Era o antigo PP. Nesse MDB moderado, ele foi levando os fatos, e acabou sendo beneficiário dessa transição, a tal ponto que escolheu como seu Vice-Presidente, o antigo presidente da ARENA, o José Sarney, e que estava incompatibilizado com os governantes militares. Quando Tancredo morre antes de assumir, o Vice-Presidente era o Sarney. No pós-Revolução, com a arrancada do MDB para o Poder, a longamente esperada “avalanche” do MDB na marcha para o Poder, comandada por Ulysses Guimarães, quem sobe ao Poder no novo regime, na Nova República? José Sarney, velho político da UDN, antigo presidente da ARENA. É um paradoxo total. O que se passa então? A transição sonhada por Tancredo Neves, num ambiente de coalizão, é substituída, outra vez, pela via do confronto. A luta entre Ulysses Guimarães, tríplice presidente: do Partido, do Senado e da Constituinte, contra Sarney. Nesse confronto, nesse pleno confronto, que não é somente dentro do Executivo, mas é confronto de poderes, de todas as ordens – ainda restam uns resquícios de varguismo e antivarguismo, já atenuados. Esse confronto escreve a Constituição de 1988..., a mais casuística de todas as constituições.

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Editor responsável: Francisco Eduardo Neves Novellino


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