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BLOG MAR & DEFESA

Forças Armadas: um olhar teleológico

Atualizado: 15 de jan. de 2023

Francisco Novellino*



Publicado no blog MAR & DEFESA em 20 de novembro de 2022


* Capitão de Mar e Guerra reformado da Marinha do Brasil e editor do Blog MAR & DEFESA



TELEOLOGIA, termo formado pela junção das palavras gregas télos (finalidade) e logos (razão, explicação), é o estudo dos objetivos, fins, propósitos e destinos; é a teoria das causas finais. Quando analisamos um determinado sistema, organismo ou relação sob a ótica teleológica, significa dizer que estamos procurando saber o "porque" daquilo ter sido criado ou instituído. Jesus Cristo, além de o maior teólogo que já existiu, era também um teleólogo por excelência. Um dos exemplos marcantes da Bíblia é quando lhe perguntam sobre quais seriam as justificativas legais para ocorrer um divórcio, de acordo com a lei que Moisés havia entregue ao povo. Mais uma vez, estavam querendo colocar Jesus a prova, mas Ele responde de uma forma magistral: "No princípio não era assim". Ao invés de recorrer a justificativas temporais, Jesus foi no âmago da questão, no propósito do Deus-Pai na criação do primeiro casal. A visão teleológica do casamento pressupõe uma união estável e permanente entre um homem e uma mulher, onde não haveria espaço para o divórcio.


Infelizmente, no Brasil, os debates e propostas com respeito às Forças Armadas e aos militares raramente se fundamentam na razão de ser dessas instituições. Muitas delas visam tão somente à obtenção de visibilidade política, profissional ou pessoal imediata, sem um compromisso sincero com a preservação do poder militar para o fim precípuo a que se destina. Outras pessoas, talvez sem malícia e afetadas por ignorância conceitual, tentam imputar às instituições militares tarefas para contribuir com o "bem social" e o "desenvolvimento nacional", sem se darem conta que essas atividades representam, na verdade, desvios na sua finalidade principal, e que tomam tempo e recursos valiosos do preparo das forças. A fim de contribuir para dirimir esses inconvenientes, o presente artigo pretende evidenciar a necessidade de se recorrer ao viés teleológico para analisar a adequação das Forças Armadas brasileiras às necessidades de defesa do País.


Inicialmente, convidamos o leitor a responder para si as seguintes perguntas: Para que servem as Forças Armadas de um país? Qual a razão primeva que levou as nações a estabelecerem seus poderios militares? Que tipo de ameaças justificariam a instituição de forças organizadas para o uso da violência pelo Estado? No caso específico do Brasil, quais eram as ameaças e as prioridades de emprego da Marinha e do Exército no alvorecer da nossa existência como nação independente? Por que deve existir uma carreira militar, baseada na hierarquia e na disciplina? Não é muito difícil imaginar que a necessidade de ser constituído um poder militar decorre de o Estado poder fazer frente a ameaças externas, sejam impetradas por um ente estatal, sejam por atores estrangeiros difusos.


O que vemos atualmente na previsão de emprego das Forças Armadas brasileiras vai muito além disso. A começar pelo caput do artigo 142 da Constituição Federal, compete às instituições militares - além da defesa da Pátria - a "garantia dos poderes constitucionais e,... da lei e da ordem", uma clara alusão a emprego não demandado por ameaças externas. Cabe ressaltar que o autor não é a priori refratário a toda e qualquer ação das Forças Armadas para restaurar a ordem constitucional ou proteger os poderes da República, em casos eventuais de extrema gravidade, onde encontra-se em risco a própria governabilidade do País; ou em casos extremos de calamidade pública, em que os efetivos regulares de defesa civil não conseguem atender às populações em risco. Mas que isso seja adequadamente explicitado no texto constitucional, coisa que atualmente não o é. Quando passamos à previsão legal da Lei Complementar 097/99, a coisa fica ainda mais difusa, pois o emanharado legal permite interpretações que permitem até mesmo o emprego de militares para operações "caça-mosquitos", para operações de "limpeza" em presídios, ou para conduzir a preparação de atletas olímpicos. Estando essas atividades previstas ou não em legislação ordinária, decididamente que existe aí um desvio evidente de função.


A verdade é que Forças Armadas e militares devem existir para garantir a segurança nacional, por meio da execução de tarefas de defesa que lhes são atribuídas. Se no transcorrer das atividades essencialmente militares surgirem, naturalmente, aplicações de uso civil, no campo da ciência e tecnologia, na geração de novos empregos, no apoio à saúde pública, etc., que o Governo faça essa "ponte", mas a ordem não deve ser invertida. Sem dúvida que é um serviço nobre e necessário o transporte órgãos humanos para transplantes em aviões da Força Aérea Brasileira, mas entendemos que não sejam alocadas aeronaves e pessoal específico para essa atividade pelo Comando da Aeronáutica, o que seria mais adequado à estrutura do Ministério da Saúde. Infelizmente, a cultura vigente determina que é "politicamente incorreto" difundir esse conceito à sociedade, o que faz com que a existência de Forças Armadas e de militares seja justificada pela sua contribuição para atividades de interesse nacional, porém não essencialmente relacionadas ao uso legítimo da força.


A gênese dessa confusão de atribuições - especialmente a intervenção na política interna - parece se encontrar nos eventos que culminaram com o advento da República, em 1889. Em que pese durante o Império (período regencial) ser recorrente o emprego do Exército para debelar rebeliões internas, estavam essas motivadas em ideais separatistas ou republicanos, o que justificaria o emprego de forças federais para manter a estabilidade do Império, ou até mesmo a integridade do território nacional. No entanto, foi a a partir da deposição do Imperador que criou-se um problema sem uma solução republicana para contorna-lo: o fim do Poder Moderador. Como não existe vácuo de poder, os próprios militares, que impetraram a deposição de D. Pedro II, viram-se repentinamente com um problema nas mãos. Estimulados com o poder político alcançado, e na tentativa de contornar o problema institucional gerado com a República, passaram a intervir nas crises políticas internas, alçando as Forças Armadas ao papel de "guardiãs" da Nação. Nas palavras de Gastão Reis Rodrigues Pereira, autor de "História da autoestima nacional" (Resistência Cultural Editora, 2022), "o Brasil foi, de fato, um país muito mais bem resolvido, em termos político-institucionais, durante o século XIX do que nos séculos XX e XXI. Nossas constituições presidencialistas simplesmente não têm dispositivos satisfatórios para lidar com as crises de modo rápido e efetivo. Apelam, de modo espúrio, para os militares.... Proclamou-se uma república sem marcos legais eficientes para lidar com as crises, que, obviamente, ensejou uma fábrica de golpes, ditaduras e intervenções militares."


A questão acima explica a participação anômala dos militares na vida política nacional, mas existem outras tarefas que foram sendo desempenhadas com o tempo, vinculadas à Segurança Pública, obras de infraestrutura, ações cívico-sociais, esportes, e outras, conforme discorremos acima. A causa dessa amplo leque de atividades certamente se encontra na quase ausência de contenciosos próximos e iminentes. O Brasil vive o fenômeno geopolítico de ser uma "nação satisfeita"; resta saber como está o estado de "satisfação" de seus vizinhos continentais ou marítimos, bem como das grandes potências, no que tange aos seus interesses no Brasil.


O Brasil é um país continental, limítrofe com várias nações. Além disso, possui uma costa extensa no Oceano Atlântico, bem como águas jurisdicionais e plataforma continental de tamanho considerável. Tanto em terra firme, como no mar, os recursos vivos e não-vivos têm sido motivo de cobiça há séculos. O Brasil nasceu para liderar seus vizinhos na busca da grandeza; não existe a opção de "enfiar a cabeça no buraco", como fazem os avestruzes. Os profissionais que atuam na Defesa, sejam militares, especialistas civis, acadêmicos ou políticos, devem focar sua atuação na defesa, pelas armas, dos interesses nacionais estratégicos brasileiros, seja no País ou no exterior. Se as Forças Armadas não estiverem adequadamente instrumentalizadas para isso, ninguém mais estará.


Urge que o Congresso Nacional considere essas ponderações no trato dos assuntos da defesa, e que, com o auxílio de militares, acadêmicos e juristas, possa realizar uma revisão na Constituição Federal e na legislação decorrente, tornando-as adequadas ao que realmente o País precisa com respeito às suas Forças Armadas e à estrutura de defesa em geral. Toda a atividade não essencialmente militar poderia ser transferida para outros setores do Ministério da Defesa ou para outros órgãos da Administração Pública.


A grande verdade é que defesa não se improvisa, nem se compra em prateleira. É também fato que militares de carreira e especialistas civis de defesa não existem disponíveis no mercado. Cabe aos decisores políticos "fabrica-los" em tempos de normalidade, para que a Nação não seja surpreendida quando sobrevierem tempos difíceis.

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