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A Presença da frota pesqueira chinesa no Atlântico Sul: pesca ilegal ou projeção de poder marítimo?

Eduardo Navarro*


Publicado no Blog MAR & DEFESA em 08 de março de 2023


Imagens fornecidas pelo autor.


* Eduardo Navarro é pesquisador do Centro de Estudos em Direito do Mar "Vicente Marotta Rangel" (CEDMAR/USP), membro da Associação Brasileira de Estudos em Defesa (ABED), e graduando em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).



Introdução


Após devastar as reservas pesqueiras do Peru e do Equador no Pacífico, a frota pesqueira chinesa vem reforçando sua presença nas águas do Atlântico Sul (em especial na ZEE da Argentina). Além de possuir a maior frota pesqueira do mundo sob sua bandeira, a China também é conhecida por manter sob seu comando uma milícia marítima civil composta por trabalhadores marítimos com treinamento militar.


Apesar de a inteligência acerca da milícia marítima chinesa apontar sua atuação apenas nas imediações do Mar do Sul da China, a presença de sua frota pesqueira no Atlântico Sul torna válida a preocupação de que, além de estarem envolvidas com a pesca ilegal, as embarcações representariam também uma dispersão do poder marítimo de Pequim em um novo espaço oceanopolítico.


Diante disso, por meio do presente artigo, pretende-se traçar algumas conjecturas acerca da presença da China no Atlântico Sul, tratando tanto de questões de segurança marítima (pesca ilegal, não regulamentada e não comunicada), quanto no aspecto estratégico (presença da milícia).


A Frota Pesqueira Chinesa Chega ao Atlântico Sul


Desde 2018, ocorrências de pesca ilegal, não regulamentada e não comunicada - IUU fishing, ou pesca INN, em Português -, praticada por embarcações de bandeira chinesa próximo às Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) de países costeiros da América do Sul - como Uruguai, Argentina, e até mesmo o Brasil - têm ficado cada vez mais recorrentes. A China possui a maior frota pesqueira do planeta, contabilizando, segundo o New York Times, mais de 3000 embarcações. Tal volume vem se dispersando entre os principais pontos de pesca no mundo, a exemplo da Corrente de Humboldt, que banha territórios do Peru e do Equador.


O New York Times fez uma projeção da atividade pesqueira ilegal de navios de bandeira Chinesa entre a corrente de Humboldt e a ZEE da Argentina, no período de junho de 2021 a maio de 2022, a qual é apresentada no quadro abaixo:


Como se pode observar, as embarcações pesqueiras, após uma concentração perto das ilhas Galápagos (Equador), desceram até o estreito de Magalhães, passando pela ZEE do Peru e, chegando ao Atlântico Sul, concentram-se nas imediações da ZEE da Argentina.


Em uma outra projeção, elaborada pela ONG estadunidense Oceana, é possível identificar a frota pesqueira (composta, em sua maioria, por navios chineses) concentrada na ZEE da Argentina, em evidente prática de pesca INN.




Conforme matéria do portal de notícias argentino Infobae, a Armada argentina acompanhou a passagem de cerca de 300 embarcações pesqueiras chinesas cruzando o estreito de Magalhães. Segundo o autor da matéria, essa passagem vem acontecendo anualmente, e as proporções da frota só aumentam. Os alvos da frota pesqueira na ZEE argentina são os estoques de lula e, ao que tudo indica, não há nenhum relatório público que ateste a movimentação da frota em direção ao Brasil.


A Milícia Marítima Chinesa


Assunto recorrente na mídia especializada internacional é a milícia marítima chinesa, que, embarcada em navios pesqueiros, atua em conjunto com a Guarda Costeira e Marinha do Exército da Liberação Popular na região do Mar do Sul da China. A milícia é comumente ligada às seguintes práticas:

a) Apoio logístico;

b) Inteligência e reconhecimento;

c) Dispersão de poder naval em áreas marítimas disputadas.


Em relatório do China Maritime Studies Institute, ligado ao Naval War College, Connor Kennedy e Andrew Erickson definem a milícia marítima chinesa da seguinte forma:


"A Milícia Marítima das Forças Armadas Populares (não confundir Forças Armadas Populares com Exército da Liberação Popular) é uma organização armada composta por trabalhadores marítimos (civis) que recebem treinamento militar e podem ser mobilizados para defender as reivindicações de território marítimo chineses, protegendo 'direitos e interesses marítimos' e dando suporte à Marinha do Exército da Liberação Popular em tempo de guerra”


Vale ressaltar que não se trata de uma força permanente e organizada. São trabalhadores do setor marítimo, em sua maioria pescadores que possuem treinamento suficiente para serem convertidos em uma milícia para garantir objetivos pontuais de apoio à Marinha ou a Guarda Costeira. Assim, a ambiguidade entre civis e militares garante uma maior liberdade para que a milícia tome partido na proteção dos interesses marítimo chineses sem provocar uma escalada militar ou comprometer a imagem da marinha de guerra no cenário internacional.


A influência da milícia é tamanha que os autores chegam a considerá-la a “terceira força marítima” (Third Sea Force) da China, juntamente com a marinha de guerra e a guarda costeira. Os navios pesqueiros mobilizados, apesar de não estarem equipados com armas de bordo, costumam contar com sistemas de comunicação de última geração e até mesmo lasers militares. No final de 2022, a ABC da Austrália noticiou que aeronaves militares australianas teriam sido “cegadas” por lasers disparados por navios pesqueiros (prováveis integrantes da milícia) no Mar do Sul da China.


Além disso, não se pode ignorar a importância da milícia marítima no apoio logístico à marinha de guerra. Em outro relatório do China Maritime Studies Institute, o autor se refere à milícia como a “coluna dorsal” para a invasão de Taiwan, uma vez que as embarcações pesqueiras podem auxiliar no transporte e desembarque de tropas na ilha.


Considerações acerca da presença chinesa no Atlântico Sul


Apesar de os relatórios disponíveis acerca do caso apontarem a atuação da milícia marítima apenas em espaços marítimos sob disputa, como é o caso do Mar do Sul da China, a chegada em massa de navios pesqueiros chineses ao Atlântico Sul deve ser objeto de maior e mais cuidadosa análise, tendo em vista as potenciais preocupações regionais.


Nota-se que, em meio às fontes disponíveis, não há indícios de que uma frota pesqueira chinesa esteja se direcionando ao Brasil, ao menos nas proporções em que foi visto na Argentina. O que pode ser observado foram casos de navios pesqueiros chineses praticando pesca INN nas proximidades da ZEE brasileira. Exemplo disso foi o ataque ao navio atuneiro Oceano I, a 280 milhas da costa brasileira, por uma embarcação chinesa que estaria disputando o pescado.


Entretanto, a simples presença na região já é um alerta e, no mínimo, torna-se um fato de extrema relevância na compreensão das dinâmicas de poder no Atlântico Sul. E não é por acaso: independentemente da existência ou não de ligação entre as embarcações pesqueiras e a milícia, a pesca INN praticada pela frota já representa, por si só, um fator de grande importância para uma análise da conjuntura da segurança marítima em toda região oceanopolítica.


A devastação de estoques pesqueiros pela pesca INN realizada por embarcações chinesas já não é novidade na África Ocidental. Segundo relatório da ONG britânica Environmental Justice Foundation, o setor pesqueiro de Gana vem sofrendo uma profunda crise em decorrência da pesca predatória praticada, em sua maioria, por navios chineses.


O relatório também denuncia algumas empresas chinesas proprietárias de embarcações pesqueiras que, se aproveitando de brechas legais e da ineficiência da fiscalização do governo local, praticam a pesca INN sob um véu de legalidade.


Assim, havendo relatos tanto na África, quanto na América do Sul, já é possível afirmar que a pesca INN praticada pela frota pesqueira chinesa já é uma realidade da segurança marítima no Atlântico Sul.


Mas como isso pode ser relacionado à milícia marítima? Conforme exposto anteriormente, a milícia marítima é um grupo civil pertencente às Forças Armadas Populares da China, composta, em sua maioria, por trabalhadores civis do setor marítimo (normalmente pescadores) e que tem como função o apoio à Marinha do Exército da Liberação Popular e à Guarda Costeira Chinesa.


A milícia atua no apoio logístico, em atividades relacionada a inteligência e até mesmo na dispersão do poder marítimo chinês em regiões disputadas do Mar do Sul da China. Uma vez que boa parte dos contingentes (mesmo que adormecidos) da milícia marítima chinesa estejam ligados ao setor pesqueiro, deve-se questionar acerca da possibilidade de milicianos treinados estarem a bordo das centenas embarcações pesqueiras que adentram o Atlântico Sul.


Contudo, ainda que membros da milícia marítima estejam, de fato, no Atlântico Sul, dois apontamentos ainda precisam ser feitos:


a) A milícia, apesar de altamente engajada no Mar do Sul da China, é composta por civis, trabalhadores do setor marítimo que, enquanto não estão exercendo serviços de apoio à Marinha ou Guarda Costeira chinesa, realizam suas atividades normalmente. Não se trata, portanto, de embarcações da milícia “disfarçadas” de navios pesqueiros, mas navios pesqueiros que, quando acionados, irão agir como milicianos. Diante disso, a existência de embarcações da milícia em meio a frota pesqueira não significa que estarão agindo como milícia no Atlântico Sul.


b) Mesmo que existam navios da milícia em meio à frota pesqueira, e que esses navios estejam engajados em atividades milicianas, é possível excluir, dentre o rol de atividades, tanto o apoio logístico à Marinha e Guarda Costeira Chinesa, quanto as práticas dissuasórias praticadas contra autoridades de outros países, tal como observado nas áreas marítimas disputadas (Mar do Sul da China). Resta, portanto, as atividades relacionadas a inteligência. Nesse cenário, as atividades dos supostos navios milicianos consistiram quase que inteiramente em reportar às autoridades chinesas informações solicitadas sobre a região.


Dessa forma, a presença da milícia marítima nas águas do Atlântico Sul significaria que, além da já conhecida ameaça à segurança marítima representada pela pesca INN praticada pela frota chinesa, haveria, também, novos fatores para a compreensão da dinâmica de poder na área oceanopolítica.


Ao pulverizar pelo mundo embarcações civis com equipamento militar e tripulação devidamente treinada aguardando ordens, a China conseguiria projetar seu poder marítimo a quase todas as regiões marítimas do globo. É certo que as embarcações de pesca, mesmo que equipadas, não seriam páreo a uma esquadra, mas o eventual apoio logístico e até mesmo operacional, aos navios de guerra da China em um conflito naval, pode significar uma ampla vantagem.


Por fim, há ainda a questão da presença. Mesmo não estando equipados com armamentos de bordo, ou engajados exclusivamente em questões de estados, embarcações milicianas (hipotéticas) espalhadas pelos mares representam a capacidade da China de pulverizar seu poder marítimo ao redor do mundo. Isso, aliado aos projetos de infraestrutura portuária da política do Belt and Road em países subdesenvolvidos do Hemisfério Sul, representam uma suposta capacidade chinesa de construir um domínio marítimo fundado, não na força bruta, mas na capacidade de dispersão.



Fontes Consultadas:


Relatórios

Notícias:

China's Fishing Operations Raise Alarms Worldwide - The New York Times

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2 comentários


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J. Fiminio
J. Fiminio
08 de mar. de 2023

Acho que os Dois !

Os chineses estão apresentado Poder e promove a ilegalidade e Afronta à seu bel prazer . . . .

Eles não respeitam ninguém. E a coisa vai Piorar ainda mais . . . .

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