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BLOG MAR & DEFESA

O dilema dos guardiões

Foto do escritor: MAR & DEFESAMAR & DEFESA

Amauri Meireles*



MAR & DEFESA | 15 DE JANEIRO DE 2025



NOTA DA EDITORIA


Não obstante o artigo referir-se à Segurança Pública, entende-se que aborda uma questão importante que afeta todos os militares no Brasil, que é a tendência de "manter os militares sob controle", ou reduzir o poder ofensivo das operações militares. Olvida-se o fato de que militares - sejam das forças estaduais de segurança, sejam das Forças Armadas - são treinados para o uso da violência pelo Estado, quando os demais instrumentos mostram-se ineficazes. Não queremos ignorar que determinados militares despreparados e emocionalmente instáveis poderão ultrapassar os limites que lhes são impostos, e usarem de força desproporcional contra suspeitos, ou colocarem inocentes em perigo. A estes, a aplicação rigorosa da lei.


Infelizmente, as motivações para a redução do uso da força por órgãos ou instituições militares nem sempre são "puras"; percebe-se que alguns segmentos políticos, midiáticos e movimentos sociais têm adotado, de forma sistemática, iniciativas para neutralizar a eficácia das operações militares, bem como desmoralizar o profissional militar. As campanhas de "unificação das polícias" podem abrigar, no seu bojo, tentativas de extinguir as polícias militares. Surge a pergunta: quem fará as operações de choque contra hordas de criminosos que ocasionalmente oprimem a população?


No que tange às Forças Armadas, observa-se que as atividades subsidiárias e humanitárias são melhor percebidas pela sociedade do que as atividades voltadas para a atividade fim: o emprego do poder bélico para a defesa da Pátria. Enquanto não houver necessidade de uso das Forças Armadas para dissuadir ou repelir ameaças externas, tudo irá bem; mas quando essa necessidade surgir, os brasileiros poderão se dar conta que atiraram no próprio pé.


NOTA: Os trechos em negrito foram introduzidos pelo Editor.


"O DILEMA DOS GUARDIÕES"


A expressão “presente de grego” sempre me intrigou. Tinha a suspeita de que não era nada bom, mas não sabia, ao certo, o que significava. Com o tempo, aprendi que se referia ao cavalo de Tróia, construído pelos gregos e entregue aos troianos, que consideraram ser um presente dos deuses. Daí, creio, os caros leitores sabem o que aconteceu.


Lembrei-me desse evento, narrado na Ilíada, de Homero – por estarmos comemorando o Natal, data em que, tradicionalmente, damos e/ou ganhamos presentes – mas, principalmente, por ter lido o Decreto No 12.341, de 23 de dezembro de 2024, que disciplina o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública. Referido decreto regulamenta a Lei no 13.060, de 22 de dezembro de 2014, a qual disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o território nacional. Portanto, antes de se entrar no mérito, verifica-se que a Lei fala em disciplinar “o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo”, mas o Decreto, indo além, fala em disciplinar “o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública”, que são fatos distintos. Estes compõem um item da gradação daquele.


A Lei 13.060/2014 prescreve que os órgãos (?) de segurança pública – as polícias administrativas (sanitária, fazendária, de edificações e outras estariam incluídas?) – priorizem o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo “nas situações em que a integridade física ou psíquica dos policiais não estiver em risco”, obedecidos os princípios da legalidade, da necessidade, da razoabilidade e proporcionalidade. A citada Lei, em seu Art.7o, estabelece que “O Poder Executivo editará regulamento classificando e disciplinando a utilização dos instrumentos não letais”. E, pasmem, o Executivo solta um Decreto truísta e que se atém, somente, a algo que não é tratado pela Lei 13.060: o uso da força.


Por oportuno, lembre-se que “emprego/uso da força” é um recurso que o Estado detém – operacionalizado pelas forças policiais – para garantir a Ordem, imposta pelo próprio Estado. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) apresentou, em 2006, um modelo básico de uso progressivo da força: Presença física, Verbalização, Controle de contato, Controle físico, Táticas defensivas não letais, e Força letal. Ocorrerão eventuais ações equivocadas, indevidas, sim, mas que não representam esmagadora maioria de procedimentos policiais corretos. Certamente, o leitor deve estar atônito com a perda de tempo e dinheiro gastos com esse rosário de equívocos, de desencontros, de superfluidades, de paliativos, de atendimento a clamores ideológicos, que não coincidem com as necessidades e anseios da maioria da população.


E, então, voltamos ao “presente de grego”. Quando a sociedade – angustiada, temerosa, apavorada com a ousadia, a covardia, com a sensação de impunição que tomou conta de criminosos, detentores de armamento sofisticado, mais letal que os de posse das forças policiais – espera por providências efetivas, o governo edita um decreto, fora do contexto, para controlar o uso da força pelas Forças Policiais. Mais que um “cavalo de Tróia”, é uma verdadeira túnica de Nesso**, que, vestida (aceita) pelas Forças Policiais, decretará, aí sim, a gradativa morte dessas Instituições, sancionando o protagonismo de criminosos.


Pode até haver ilegalidade (lembrando que o decreto é infralegal) na chantagem, digo, no condicionamento de recursos à adesão, pelos Estados, dos preceitos de observância imperativa do Decreto. Além de inutilidade evidente, pois os Estados poderão dizer que estão cumprindo as regras e que os desvios são ilícitos passíveis de punição, etc. Inconstitucionalidade (infringência à autonomia constitucional dos Estados) talvez não haja, pois o senhor Ministro Lewandowski foi guardião da Constituição (STF) e, por certo, não permitiria essa anomalia. Ou estaria sendo engambelado por disfemistas de polícia?


A responsabilidade de extirpar essa irresponsabilidade é dos atuais Congressistas, mas há uma explícita descrença nestes que, eleitos para nos representar, é o que menos fazem. Se de um lado a Esquerda não consegue produzir qualquer coisa sobre Segurança, por desconhecimento da matéria e uma ideologia garantista pueril, a Direita vive embalada em um punitivismo populista. Fica a expectativa de que, em 2025, haja uma reviravolta nesse cruel lenga-lenga, com um efetivo engajamento de congressistas em buscar soluções objetivas, começando por atacar causas e efeitos da criminalidade. Certamente, a responsabilidade principal cabe aos membros da “bancada da segurança pública”, que reúne profissionais da área, detentores de conhecimento e de experiência, o que falta nesses sonhadores, autores de documentos idílicos, porque, jamais, se assentaram em uma viatura policial, ficando frente a frente com o perigo, com o risco de morrer.


Enfim, decisões demagógicas, na contramão do que a sociedade deseja, somente aumentam o dilema dos guardiões da sociedade: atirar e ser preso e condenado ou, então, não atirar e deixar viúva e órfãos?


* Coronel Veterano da Polícia Militar de Minas Gerais, ex-Comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte.


** Túnica de Nesso - De acordo com a mitologia grega, Nesso foi um centauro, filho de Ixion e Nefele, a Nuvem. Certa vez, Nesso tentou violentar Dejanira, mulher de Héracles, para se vingar do herói por lhe ter ofendido uma vez. Héracles matou o Nesso a flechadas. Antes de morrer, o centauro disse maliciosamente a Dejanira que seu sangue seria capaz de fazer Héracles amá-la para sempre. Quando o interesse de Herácles pela esposa se reduziu, Dejanira, sem saber que o sangue de Nesso era na verdade um poderoso veneno, o aplicou em uma túnica do marido. Quando Héracles vestiu a túnica, sentiu imediatamente o efeito do veneno, queimando sua carne, e acabou por morrer (Fonte: Wikipédia).

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Editor responsável: Francisco Eduardo Neves Novellino


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