Publicado no Blog MAR & DEFESA em 03 de fevereiro de 2023
Imagem: https://aws.amazon.com/pt/blogs/publicsector/us-navy-deploys-devsecops-environment-aws-secret-region-deliver-new-capabilities-sailors. Baixada em 03/02/23.
INTRODUÇÃO (MAR & DEFESA):
O presente artigo é um excerto do artigo Bicentenário da Esquadra - Os próximos 200 anos, de autoria de Marcelo de Oliveira Predes, Capitão de Corveta Engenheiro Naval da Marinha do Brasil, publicado na Revista Marítima Brasileira, n. 07/09, ed. julho/setembro 2022.
O trecho destacado para publicação aborda a composição do custo total de navios em um ciclo de vida, do qual o custo de obtenção representa apenas cerca de 15%. Apresenta o conceito de Gestão de Ciclo de Vida (GCV), que incorpora as ferramentas para determinar os custos ao longo do ciclo de vida de uma classe de navios, ou de qualquer sistema de defesa.
ARTIGO
Inseridas na completude da Gestão do Ciclo de Vida (GCV), conceito de merecido destaque estratégico na Marinha do Brasil (MB), as metodologias elaboradas para determinar os custos ao longo de todo o ciclo de vida são ferramentas de enorme valor para a tomada de decisões nos processos de aquisição ou desenvolvimento de sistemas de defesa. Considerando um ciclo completo, estes dispêndios são usualmente divididos em três grupos: aquisição (inclui custos de P&D, projeto, construção ou compra), operação e suporte (inserida a manutenção) e desfazimento. Apenas os valores de aquisição, aqui também considerada a obtenção de um meio já produzido, são facilmente identificados, correspondendo à parte visível do iceberg. A mensuração apenas desta parcela tende a ser ilusória: o montante da fase de operação e suporte pode envolver cerca de 85% de todos os custos ao longo do CV.
Um percentual tão elevado induz ao questionamento sobre quais seriam os componentes que integram este grupo. São considerados diretamente relacionados com o suporte e a operação do item os custos com: pessoal, consumíveis, sobressalentes (incluindo o necessário para embalagens, manuseio, armazenamento e transporte), facilidades e infraestrutura de apoio, atualização de dados técnicos, modificações ao longo do CV, manutenção de suprimentos e equipamentos, gerenciamento de sobressalentes e descarte. Em adendo, destaca-se a existência dos custos indiretos, ou seja, não diretamente relacionados a um meio ou um equipamento em específico, necessários para o adequado suporte à manutenção.
A abordagem de custos abrangendo todo o CV vem sendo constantemente aperfeiçoada com a introdução de métodos computacionais, que possibilitam a incorporação de múltiplas variáveis do processo, especialmente em relação aos numerosos elementos necessários para a operação e o suporte. É importante ressaltar que, por mais evoluída que seja a metodologia, esta sempre será baseada em uma estimativa, sendo tão aderente à realidade, quanto maior for o volume, a qualidade e a confiabilidade das informações disponíveis.
Pode-se afirmar que os custos inerentes aos sistemas militares já se tornaram uma questão relevante há certo tempo, influenciando o desenvolvimento de estudos próprios em diferentes nações. De modo a harmonizar estes conhecimentos no âmbito da OTAN, vem sendo elaborados documentos que consolidam a experiência adquirida na área pelos países membros ao longo dos últimos anos. Estes materiais podem ser utilizados em benefício das doutrinas de GCV em vigor no Ministério da Defesa e, por consequência, na Marinha do Brasil (MB).
Os custos dos sistemas típicos da MB, de navios, são consideravelmente superiores aos dos meios típicos das demais Forças. Além disso, a sua capacidade inerente resulta em análises do Custo do Ciclo de Vida (CCV) mais complicadas, envolvendo um maior número de elementos. Conforme apresentado, as embarcações, assim como aeronaves e demais equipamentos empregados pela Marinha, são obtidos essencialmente por meio de duas modalidades: programas específicos, que consistem no desenvolvimento e na construção dos itens desde o início do CV, ou por aquisições diretas, tanto para unidades novas quanto para aquelas já utilizadas pela entidade fornecedora, a exemplo de outras Marinhas ou mesmo empresas privadas.
Na primeira hipótese, é possível obter um volume muito maior de dados para as análises de custo, que podem inclusive ser iniciadas desde a fase de concepção do sistema, sendo sucessivamente refinadas conforme o avanço do projeto. Neste caso, as avaliações de custos podem influenciar o design e a solução de suportabilidade do sistema em desenvolvimento. Sendo assim, este processo de obtenção possibilita uma razoável previsibilidade dos gastos relativos a um navio, uma aeronave ou a outro item em planejamento pela Marinha. Novamente, a verificação do CCV representa, em primeira instância, uma ferramenta para tomada de decisão: os valores obtidos podem influenciar, por exemplo, em cancelamento ou em possíveis alterações de um programa da Força.
As compras diretas representam uma forma mais célere para incorporação de unidades, especialmente na “compra por oportunidade”, na qual meios de Marinhas amigas ou entidades são ofertados à MB. Desse modo, eventuais lacunas operacionais da Esquadra podem rapidamente ser supridas, muitas vezes com a introdução de novas tecnologias inexistentes na indústria nacional. Em geral, além do próprio valor desembolsado na aquisição, pouco se conhece do montante relativo ao tempo do CV restante dos itens recém-adquiridos.
Embora aqui esteja basicamente evidenciado o escopo dos recursos financeiros, a escassez de informações sobre um meio a ser incorporado inevitavelmente implicará uma GCV deficiente, refletindo em prejuízos nos aspectos de: manutenção, gestão de obsolescência, procedimentos de descarte, modernização e infraestrutura de apoio, além da própria disponibilidade operacional da unidade. Curiosamente, quando analisada sob a ótica da GCV, a grande porção submersa do iceberg passa a representar também vários outros processos que não seriam adequadamente fundamentados pela carência de dados e, portanto, dificilmente bem gerenciados e executados.
Em um cenário ideal, grande parte do inventário da Marinha seria desenvolvido desde o início no Brasil ou por meio de parcerias com outros países, como já mencionado. Todavia, sabe-se que limitações tecnológicas, orçamentárias ou até temporais inviabilizam tal feito, talvez reservado a potências militares como EUA, Rússia e China. A decisão pelas compras por oportunidade mostra-se uma realidade inafastável em diversos casos, trazendo valiosos incrementos materiais à Esquadra, a exemplo do Navio Aeródromo Multipropósito "Atlântico".
O uso de boas práticas da GCV nestes casos, ainda que em um modelo menos robusto, representaria uma interessante estratégia para mitigar eventuais deficiências frequentemente observadas nesta modalidade de obtenção, em aspectos como suporte em serviço, estimativas de custo e descarte. Para tanto, já durante a fase de negociação, deveriam ser levantadas com o fornecedor informações sobre: rotinas de manutenção, perfis operacionais, custos gerais e modernizações, entre outras. É interessante que a disponibilidade destes dados em um nível razoável seja considerada no processo decisório para a incorporação das unidades.
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