MAR & DEFESA | 18 DE OUTUBRO DE 2023
Imagem: https://sputniknewsbr.com.br/20230930/de-olho-na-africa-brasil-pode-se-candidatar-para-patrulhar-mares-do-golfo-da-guine-diz-analista-30590389.html. Acessada em 11/10/23.
* Entrevista concedida por Francisco Novellino - Capitão de Mar e Guerra Reformado da Marinha do Brasil e Editor do MAR & DEFESA - ao podcast do canal Mundioka, em 09 de outubro de 2023. A entrevista foi ao ar no dia 13 de outubro, e pode ser acessada pelo site do Sputnik, link https://sputniknewsbr.com.br/mundioka, ou pelo Spotify, link https://spotify.link/2bllkqIqSDb.
MUNDIOKA - Qual o interesse estratégico do Brasil no continente africano, do ponto de vista do Poder Naval Brasileiro?
Francisco Novellino - Primeiramente, é preciso entender a importância da África Ocidental para o Brasil, à luz do Atlântico Sul, que integra o entorno estratégico brasileiro. Da mesma forma que um morador à beira de um lago deseje que seus vizinhos da margem oposta sejam pessoas pacíficas e cordiais, e que tenham condições de prover a segurança do lago defronte suas casas, é também de interesse do Brasil - não somente da Marinha - que existam boas relações com os países africanos lindeiros ao Atlântico Sul.
A propósito, existe um tratado internacional do qual o Brasil é signatário, a ZOPACAS – Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul -, que é um fórum de diálogo e cooperação entre as nações soberanas banhadas pelo Atlântico Sul, localizadas na América do Sul, África Ocidental, Equatorial e Meridional. A ZOPACAS foi criada pela ONU em 1986, por meio de uma iniciativa do Brasil, com o apoio da Argentina, tendo o Brasil como principal interessado e apoiador. Além de Brasil, Argentina e Uruguai, integram a ZOPACAS 21 países africanos, a saber: África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa e Togo.
Não obstante a ZOPACAS, em sua concepção, não envolver acordos ou operações militares conjuntas, o cenário geopolítico atual – seja em função de ilícitos transnacionais, seja pela crescente tensão entre EUA e China - está conduzindo nessa direção. De qualquer forma, a Marinha do Brasil vem cooperando com o Itamaraty no sentido de manter uma zona de paz, cooperação e segurança no Atlântico Sul, mantendo relações funcionais com as forças navais da maior parte desses países.
M - Quando começou a cooperação naval do Brasil com os países da África?
FN - Na década de 1980, mesmo antes da criação da ZOPACAS, navios da Marinha começaram a visitar países da Costa Ocidental da África com frequência, tendo inclusive em uma dessas viagens a presença do Comandante em Chefe da Esquadra. Não havia, entretanto, naquele momento, um programa de integração consistente.
Cabe lembrar que, além da motivação geoestratégica para o relacionamento com os países africanos voltados para o AS, existe ainda a questão linguística, que aproxima o Brasil dos países de língua portuguesa que, na costa Atlântica, são cinco: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe. Não obstante já existirem relações políticas, econômicas, culturais e militares com a África nos governos militares, foi o Governo José Sarney que deu grande impulso nessa direção, principalmente a partir da criação da ZOPACAS.
M – Especificamente, qual a importância estratégica do Golfo da Guiné para o Brasil, e que tipo de atividades são realizadas pela Marinha do Brasil naquela região?
FN - Até pouco tempo, o Golfo da Guiné era a região marítima que possuía o maior índice de ataques piratas, inclusive com episódios de sequestro de tripulantes dos navios mercantes e de roubo do combustível armazenado e transportado nos navios tanques. Como não é interessante para o Brasil que essa região seja instável e, posteriormente, militarizada, a fim de reprimir os atos de pirataria, o Governo Brasileiro decidiu participar do no combate a tais ilícitos, em cooperação com os países dessa região, mediante o envio de navios de guerra à região. Além disso, essa participação é fundamental para a projeção do nosso país junto aos governos locais, bem como no cenário internacional.
Cabe ressaltar também a importância da produção de petróleo dessa região para o Brasil, que, por sua grande qualidade, é mais fácil e barato para refinar, comparativamente ao petróleo do Oriente Médio. A Nigéria, que fica defronte ao Golfo, é um dos países onde importamos boa parte desse produto.
M - Há militares africanos no Brasil sendo formados ou treinados pela Marinha?
FN - Hoje não tanto, como na décadas de 1990 e 2000, quando a Marinha do Brasil formou e treinou a Marinha da Namíbia. Atualmente, na Escola de Guerra Naval, cursam um oficial de Camarões e outro da Namíbia. Também na Escola Naval, geralmente, se encontram aspirantes africanos cursando. No ano passado, por exemplo, foram formados um de Cabo Verde, um Camarões e outro de Senegal. No Centro de Instrução Almirante Waldenkok, organização que capacita oficiais para o exercício das diversas especialidades, também estão sendo formados oficiais africanos.
M - Que tipo de operações ou cooperação têm sido realizados na África pela Marinha do Brasil?
FN - Conforme mencionado anteriormente, existem operações de iniciativa da Marinha do Brasil, realizadas com alguns países africanos, e as operações internacionais, sob coordenação dos EUA ou da França. São elas:
- GUINEX: Essa operação, que já está em sua terceira edição, visa promover a interoperabilidade entre a Marinha do Brasil e as marinhas de guerra e guardas costeiras dessas nações. Além disso, promove ações sociais e apoio à Política Externa Brasileira, por meio do estreitamento de laços institucionais com os países participantes. Em 2023, envolveu a Costa do Marfim, São Tomé e Príncipe, Camarões, Nigéria e Cabo Verde.
- OBANGAME EXPRESS: A operação visa capacitar militares dos países africanos para a coordenação de ações contra crimes praticados no Golfo da Guiné, como pirataria, sequestro de pessoas, tráfico de armas e drogas, e pesca ilegal, sendo coordenada pelos Estados Unidos. Em 2023, o Brasil participou da OBANGAME EXPRESS, juntamente com outros 32 países, sendo representado pelo Navio-Patrulha Oceânico “Araguari”.
- Grand Africa Nemo: É um exercício naval multinacional realizado anualmente, coordenado pela Marinha Nacional Francesa (MNF), que atua no Golfo da Guiné desde os anos 1970. A Marinha do Brasil é um dos parceiros atuantes da MNF nesse exercício. Na edição deste ano, realizada em setembro, a Marinha destacou o Navio-Patrulha Oceânico “Amazonas”, que atracou no porto de Walvis Bay, na Namíbia.
Além das operações e exercícios acima, a Marinha do Brasil possui missões navais em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Moçambique e Namíbia, bem como mantém diversas formas de interação com as forças navais dos países do Atlântico Sul. A título de exemplo, em 2017 a Marinha do Brasil doou, à Marinha de Cabo Verde, uniformes e equipamentos de comunicação. Os uniformes são iguais aos utilizados pela Marinha do Brasil, o que contribui para estreitar os laços entre as duas Marinhas.
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