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BLOG MAR & DEFESA

A América Latina e a competição geopolítica no mar*


Publicado no blog MAR & DEFESA em 20 de março de 2023


Imagem baixada do artigo original em 28/02/23.


* Tradução do artigo "For Latin American Countries, Geopolitical Competition Begins at Sea", de autoria de Carlos Solar, publicado no site do Royal United Services Institute (RUSI) em 31 de janeiro de 2023. Disponível no link https://rusi.org/explore-our-research/publications/commentary/latin-american-countries-geopolitical-competition-begins-sea.



DURANTE A VISITA AO PORTO CHILENO DE VALPARAISO, em novembro de 2022, o Vice Almirante e Segundo Lorde do Mar Martin Connell, da Marinha Britânica, abordou os esforços necessários para a constituição de uma força naval moderna e altamente adaptável às circunstâncias. Na presença de uma audiência composta por oficiais de marinha de alta patente da região, Connell deu uma palestra sobre como ser uma potência naval por meio de "interoperabilidade", "multiplicadores de força" e "abordagens modulares". Seus slides do PowerPoint apresentaram navios aeródromos, contratorpedeiros lançadores de mísseis e submarinos nucleares da Royal Navy.


O nível das capacidades de combate e dos navios de guerra na América Latina estão muito aquém daquelas existentes no Reino Unido, mas a mensagem de Connell teve eco na audiência. O poder naval não se constitui somente no tamanho das esquadras, mas também na escolha sábia e criteriosa dos aliados, apontou Connell, enquanto passava a discorrer sobre armamento com tecnologias furtivas, cibernéticas e drones de ponta.


O tempo dirá, mas, por enquanto, uma das melhores opções dos países latino-americanos voltados para o mar (existem apenas dois países sem litoral, Bolívia e Paraguai) para a competição geopolítica é apostar alto na presença marítima e construir alianças de defesa com países afins. Esta deve ser uma resposta ao jogo de xadrez dos movimentos marítimos entre as potências ocidentais e orientais, que os estados do Hemisfério Ocidental não podem ignorar. Se levadas a sério, as palavras de Connell podem ajudar a iniciar uma política marítima mais ativa para os estados regionais que se estendem do Indo-Pacífico ao Atlântico Sul.


Águas turbulentas à frente

A chegada à região, em janeiro de 2023, da 86ª frota iraniana – composta pelos navios de guerra "Dena" e "Makran" –, que cruzou o Canal do Panamá e atracou no Rio de Janeiro, disparou alarmes em toda a região e, ainda mais, no Comando Sul dos Estados Unidos (SOUTHCOM), com sede na Flórida. Teerã afirmou que os navios estavam circunavegando o mundo pacificamente, mas sabe-se que o regime construiu amizades de longa data com regimes autoritários regionais, principalmente por meio da diplomacia militar com o governo venezuelano, que atualmente está sob pesadas sanções dos EUA e do Reino Unido.


Semanas antes, surgiram relatos não confirmados de que Pequim estaria considerando a construção de uma base naval em Ushuaia, na Argentina, que poderia colocar o Exército Popular de Libertação (PLA) mais perto da Antártida e do Estreito de Magalhães, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico. A China já tem uma antena militar na Patagônia que usa para seu programa espacial, que tem pouca supervisão do governo argentino. Uma base extra do PLA no Atlântico Sul ajudaria Pequim a criar uma cadeia de estações militares que poderiam se conectar com sua presença estendida no Golfo da Guiné, na África.


Além disso, a presença de frotas pesqueiras chinesas – geralmente compostas por centenas de barcos industriais – estacionadas ao largo das Ilhas Galápagos, no Equador, nas águas próximas ao Chile, no Pacífico Sul, ou ao largo da costa argentina, no Atlântico Sul, tem causado graves preocupação entre os governos da região devido ao fraco histórico ambiental da China e à crescente evidência de práticas de pesca ilegais, não declaradas e não regulamentadas. [Nota do editor: sobre a presença de pesqueiros chineses na região, ver artigo publicado neste blog em 08/03/23].


No final de 2020, por exemplo, Chile, Colômbia, Equador e Peru emitiram uma declaração conjunta desencorajando a pesca ilegal em suas zonas econômicas exclusivas, embora tenham evitado destacar as embarcações chinesas. Em resposta, a Marinha do Chile aumentou seu controle das atividades de pesca perto de sua jurisdição costeira, usando navios da classe OPV-80 e aeronaves de patrulha marítima P-3 Orion. Apesar desses e de outros esforços, incluindo a ajuda da Guarda Costeira dos Estados Unidos, a pesca ilegal continua desenfreada na América Latina, estendendo-se do Golfo do México ao Cabo Horn.


Antigos e novos pontos de apoio iranianos e chineses nos mares das Américas devem reforçar a ideia de que os países ocidentais da região não podem ignorar a proteção de seu ambiente marítimo estratégico. Em troca, o US SOUTHCOM está tentando ativamente impedir que as potências antiocidentais usem ilegalmente as águas territoriais, acusando China, Rússia, Irã e Cuba de “intromissão e tráfico de influência na região”. O Pentágono aumentou sua capacidade ISR (Intelligence, Surveillance and Reconaissance) para as Américas – embora ainda represente uma parcela muito pequena de sua capacidade ISR global –, que geralmente assume a forma de uma rede de aviões espiões, satélites e drones. Infelizmente, muito do que acontece no mar não pode ser compartilhado com as contrapartes latino-americanas.


Um ex-oficial sênior de um dos países Five Eyes (a aliança de inteligência entre os EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia) disse a este autor que uma grande quantidade de informações coletadas sobre movimentos hostis no mar permanece fora dos limites para estados que, por outro lado, compartilham informações com os membros do Five Eyes. Esses paises são considerados como tendo canais de comunicação vulneráveis ​​que podem comprometer informações críticas, levando a possíveis confrontos. Mas a contínua supremacia marítima dos Five Eyes não deve impedir novas alianças de defesa nas Américas em torno de estratégias de capacitação em todos os cinco domínios: mar, terra, ar, espaço e cibernética. Essas parcerias são críticas, considerando que a China já está intensificando seus planos para maximizar as capacidades de ISR na região em teatros militares.


A questão que se coloca é como fazer do poder marítimo um elemento que ajude a construir poder estatal e coalizões militares duradouras para os países latino-americanos. O jogo geopolítico é, no final das contas, uma mistura de capacidades bélicas e manobras políticas estatais que precisam ser constantemente refinadas e remodeladas. Como argumenta Alessio Patalano, há uma necessidade global de criar fluência estratégica entre os governos para conectar o uso do poder marítimo e, finalmente, promover os interesses da política externa. Os países latino-americanos precisam levar esse conselho a sério.


Foco na Orla do Pacífico: Prosperidade Econômica e Domínio Naval

A orla do Pacífico é uma zona crucial para as Américas, devido às relações comerciais significativas com os países industrializados do Leste, notadamente o Japão e a Coreia do Sul, mas especialmente a China. Qualquer interrupção no comércio no Indo-Pacífico afetaria gravemente o comércio do Peru, Chile e Brasil, que exportam quantidades significativas de mercadorias para compradores chineses. As relações de Pequim com esses países, por sua vez, são pontuais e diferem de um para o outro, colocando sérios problemas quando se trata de integração da política externa nas Américas. Por um lado, no Peru, os investimentos chineses estão profundamente enraizados na construção de infraestrutura crítica, como o megaporto de Chancay, que aspira a se tornar um hub regional, deslocando outros concorrentes. No Chile, por outro lado, as autoridades locais decidiram que o primeiro cabo de fibra ótica conectando a América do Sul e a região da Ásia-Pacífico (via Austrália e Nova Zelândia) teria o Japão como ponto final. A China havia apresentado uma proposta para que a linha terminasse em Xangai, mas foi rejeitada. Como relatou o jornal japonês Nikkei, “esta decisão ocorre em meio a uma campanha de pressão dos EUA para manter a China fora dos projetos globais de telecomunicações”.

Esforços semelhantes para que a Huawei instale redes 5G em toda a região foram objeto de críticas dos EUA. Ainda assim, os planos do conglomerado chinês de avançar na integração digital na América Latina seguem a todo vapor. Por meio de suas sedes regionais no México, Brasil e Chile, a Huawei segue uma estratégia de investimento e expansão em nuvem e serviços móveis.


Visto de longe, a posição econômica da China na América Latina está obrigando os países lindeiros ao Oceano Pacífico a ver o Indo-Pacífico como uma extensão natural de seus interesses marítimos e soberania marítima. Um exemplo empírico é o renovado Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP), um grande divisor de águas para a geopolítica continental. O megabloco comercial mostra força em números sem depender estrategicamente da China.


O CPTPP compreende 11 países – Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã – e está avaliado em aproximadamente 13% do PIB global. Embora países como Taiwan, Equador, China e Reino Unido tenham se inscrito formalmente para aderir ao acordo comercial, o Reino Unido tem uma chance muito maior de ser aceito.


Em um dos últimos documentos de política do Reino Unido sobre a adesão ao bloco, o governo justificou a mudança dizendo que a adesão poderia significar que 99,9% das exportações do Reino Unido seriam elegíveis para comércio livre de tarifas com os membros do CPTPP. A adesão ao CPTPP poderia beneficiar o Reino Unido como o segundo maior exportador de serviços do mundo. O CPTPP, argumenta o Nikkei, "vai além em áreas de interesse chave do Reino Unido, com provisões avançadas que facilitam o comércio digital, regras modernas sobre dados que ajudarão o setor de tecnologia de ponta do Reino Unido a se tornar global e permitir que mais mercados de serviços financeiros e profissionais de serem abertos."


Um dos objetivos dos membros do CPTPP é integrar o comércio e serviços digitais do Indo-Pacífico às Américas, a fim de liberar outros setores relacionados de suas economias, incluindo agricultura, manufatura e mineração. No clima atual de competição entre superpotências, no entanto, há preocupações de que a presença de Pequim na área comercial possa levantar questões sérias sobre as leis de segurança de dados e o subsídio de indústrias de alta tecnologia em favor dos interesses chineses.


Presumivelmente, os EUA e seus aliados, como Canadá, Austrália e Japão, gostariam de ver a China fora do acordo comercial e ainda mais marginalizada da atividade marítima econômica. O presidente Joe Biden, no entanto, não demonstrou nenhuma intenção de ingressar no CPTPP, com seu governo lançando a Estrutura Econômica Indo-Pacífica para a Prosperidade em maio de 2022 com outros 13 países, nenhum dos quais na América Latina. Ao contrário do ex-presidente Barack Obama, que viu no bloco comercial transpacífico uma maneira de restaurar a liderança dos EUA nas Américas, Biden perdeu uma grande oportunidade aqui.


Caminho a seguir

Duas outras regiões que têm implicações diplomáticas, científicas e ambientais relativamente importantes para os estados regionais são o Atlântico Sul – incluindo a reivindicação territorial argentina sobre as Ilhas Malvinas/Falkland – e a Antártica, particularmente em relação à próxima revisão de seu tratado de governança. Essas regiões são tão importantes para os países do Hemisfério Ocidental quanto a Orla do Pacífico, mas são menos ricas economicamente e, portanto, recebem menos atenção. O que falta na avaliação desse quadro, no entanto, é a abordagem integral normalmente praticada pelos governos, na qual o desenvolvimento sustentável venha a coincidir com as agendas de política externa e de defesa.


As políticas multifacetadas para a esfera marítima devem considerar onde os elementos-chave das políticas estatais se sobrepõem – incluindo necessidades humanitárias, de desenvolvimento, culturais e de segurança – e produzir um caminho claro a seguir. Enquanto isso, com a geopolítica da América Latina marcada pela má governança política nos países andinos e a extrema polarização política no Brasil – entre outros focos de crise –, os países industrializados estão correndo para expandir suas jurisdições marítimas em busca de projeção de poder e aliados engenhosos. Existe um risco claro de que a América Latina fique vários anos atrasada em sua projeção marítima, um diferencial que pode se tornar intransponível em relação a outras regiões em desenvolvimento.

Como aconselhou o vice-almirante Connell, os países latino-americanos precisam se adaptar à geopolítica do século 21, serem flexíveis em suas abordagens ao poder marítimo e buscar alianças para lidar de forma independente, mas não separadamente, com questões de segurança global.

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